Um dia antes de depor em Curitiba, petista sofre revés e juiz de Brasília suspende Instituto Lula

Defesa de petista tenta até último minuto, no STJ, suspender fala ao magistrado da Lava Jato




O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva prestará – se um recurso de última hora do petista não conseguir impedir – depoimento nesta quarta-feira em Curitiba ao juiz federal Sergio Moro num cara a cara que acabou se transformando, não sem o estímulo de ambos, em um embate político entre os dois personagens que mais polarizaram o debate público recente no Brasil. De um lado, o ex-operário herói da classe trabalhadora que hoje é acusado, em cinco processos distintos, de receber propina e outras vantagens indevidas de construtoras amigas. Um réu que nega todas as acusações, mas cujo principal eixo de defesa é dizer que se trata de uma perseguição politicamente motivada, oferecendo como troco uma possível candidatura presidencial. Do outro, estará o juiz forjado em herói nacional para boa parte da população, que prendeu empresários e políticos como nunca antes. Um magistrado que diz querer limpar toda a corrupção do país, mas que não escapa das críticas por arriscar seu papel de juiz imparcial ao falar diretamente com apoiadores e usar métodos considerados controversos nos julgamentos da Operação Lava Jato.



Se tudo correr como previsto, Lula se sentará às 14h diante de Sérgio Moro. Uma câmera focará apenas o réu, sem o juiz, na gravação padrão da Justiça federal. O petista não conseguiu um registro próprio, como queria, já que Moro considerou que ele queria transformar o interrogatório em um “evento político-partidário”, mas o juiz autorizou uma segunda câmera, mais ampla, que filmará a sala. Não haverá transmissão em tempo real. Lula deve responder em uma das duas ações que estão nas mãos do magistrado, na qual é acusado pelos crimes de corrupção passiva, ativa e lavagem de dinheiro por supostamente ser o dono oculto de um apartamento no Guarujá e ter recebido favores da OAS para manter o espólio de presentes recebidos na presidência. O petista nega todas as acusações e chega para o encontro afetado por novos reveses na Justiça. Além de tentar até o último minuto no STJ (Superior Tribunal de Justiça) cancelar o depoimento, o ex-presidente soube, nesta terça, que as atividades de seu Instituto Lula estão suspensas por ordem de um juiz do Distrito Federal que o julgará por tentativa de obstrução da Lava Jato, em uma outra ação.
O clima de cerco legal e tensão, alimentado durante as últimas semanas e que transborda para os atos pró e contra Lula agendados para a jornada em Curitiba, se intensificou nos últimos dias. O depoimento estava inicialmente marcado para o dia 3 de maio, mas foi adiado por Moro devido a uma petição da Polícia Federal, que pediu mais tempo para montar um esquema de proteção. Neste período de uma semana, Moro escutou mais três depoimentos, entre eles o do ex-diretor de Serviços da Petrobras Renato Duque, que garantiu que o ex-mandatário “conhecia e comandava tudo”, em referencia ao esquema de propina na empresa.
O significado que este atípico depoimento adquiriu ficou escancarado nas capas das revistas semanais, nas que aparecem em posição de combate um ex-presidente Lula vestindo máscara e calção vermelho, cor do PT, e um juiz Sérgio Moro com trajes azul e amarelo, cores do Brasil e dos partidários do impeachment que tiraram os petistas do poder em 2016. Foi com essa moldura que, no fim de semana, o magistrado usou uma página do Facebook administrada por sua mulher pedir que os apoiadores da Lava Jato – e apenas eles – não protestassem em Curitiba. Foi a última de uma série de provocações mútuas, nos autos dos processos e fora deles. O ex-presidente Lula já acionou até a ONU para dizer que Moro é parcial e não tem mais condições de julgá-lo – até agora, sem sucesso. Já Moro também já sofreu advertência oficial por sua atuação contra o ex-presidente. Até recentemente referendado quase sempre pelas instâncias superiores da Justiça, o juiz de Curitiba foi criticado no Supremo Tribunal Federal, no ano passado, por ter divulgado ilegalmente áudios, inclusive de caráter eminentemente pessoal, envolvendo Lula e sua mulher, Marisa Letícia, morta em fevereiro.

Depois da participação on-line, coube ao próprio Moro tentar desmontar o cenário de embate. Nesta segunda-feira, em Curitiba, ele argumentou para uma plateia que o depoimento de Lula “não é um confronto” e que o processo “não é uma arena”. “As partes do processo são a acusação e a defesa. Não o juiz. O juiz não é parte no processo”, explicou o magistrado, que acrescentou que desse encontro “não sairá nada conclusivo”.
André Bezerra, presidente da associação Juízes para a Democracia, coincide com o juiz ao esclarecer que, do ponto de vista jurídico, o encontro desta quarta é “apenas um interrogatório no qual o réu deve ser ouvido, seja garantido seu direito de defesa e o processo prossiga”. O problema, explica ao EL PAÍS, “é que a Lava Jato se transformou em um circo romano através da opinião pública ou publicada, desviando a operação da realidade jurídica dos fatos”, critica. Já José Carlos Portella, professor de Direito em Curitiba e também crítico da Lava Jato, diz ainda ver com "preocupação" o fato de um juiz estar "empenhado em uma luta contra a corrupção", em alinhamento com os procuradores da força-tarefa, uma vez que seu papel deve ser o de "zelar pelas garantias individuais". Para os defensores de Moro, no entanto, Lula está se valendo do apoio político para tentar estar acima da lei.
Uma prisão provisória de Lula decretada nesta quarta parece, a princípio, ser improvável, ainda que se tema, na pior das hipóteses, que possíveis ânimos acirrados durante o depoimento possam desaguar em uma prisão por desacato. Ainda não há prazo para que Moro termine o julgamento desta ação contra Lula. Caso seja condenado, o petista ainda poderá recorrer à segunda instância. O cronograma tem um peso político ímpar: se condenado por um tribunal superior, Lula pode ser impedido de concorrer à presidência em 2018.