A psiquiatra Teresa Reis, do Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental do Hospital do Espírito Santo, em Évora
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No Alentejo discute-se o futuro da psiquiatria. E os tratamentos das pessoas com doenças mentais em casa e não nos hospitais

Duas a três vezes por anos o sr. A partia em peregrinação. Ouvia uma voz que lhe dizia que tinha de o fazer e seguia essa "indicação". Resultado: deixava de tomar a medicação para a esquizofrenia e acabava numa cama do hospital de Évora para retomar o tratamento. A doença mental deste homem de 56 anos tinha características místico-religiosas - a voz que lhe dizia para efetuar a peregrinação - e, ao mesmo tempo, tornou-o numa pessoa conflituosa. Tinha problemas com os vizinhos, não cozinhava e era agredido com frequência para o assaltarem.

Agora, continua a viver sozinho, cozinha as suas refeições e "é feliz", contou ao DN a psiquiatra Teresa Reis, do Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental do Hospital do Espírito Santo, em Évora.

O caso do sr. A é um exemplo de sucesso da psiquiatria comunitária que mais não é do que tratar as pessoas com doenças mentais no seu meio social, junto da família, na sua casa, em vez de as receber num hospital, por vezes obrigando-os a longas viagens.

A discussão do tema e dos resultados conseguidos, além de uma exposição sobre o que se faz em Inglaterra, encerra este sábado o 6.º Congresso da Associação Psiquiátrica Alentejana, que tem decorrido em Castelo de Vide.

No cineteatro Mouzinho da Silveira durante três dias vários especialistas falaram e discutiram diversos ângulos da psiquiatria e projetaram o que poderá ser futuro do tratamento das doenças mentais que em Portugal afetam mais de dois milhões da população, que sofrem de algum tipo de perturbação, por exemplo depressão ou ansiedade. O impacte das doenças mentais é elevado também no aspeto laboral da população: os dados conhecidos apontam para uma média anual de 22.5 dias de baixa psiquiátrica.

O retrato das doenças mentais em Portugal, de acordo com os dados cedidos ao DN por Teresa Reis, mostra que ainda há muito trabalho por fazer nesta área. Por exemplo, o acesso aos cuidados de saúde é insuficiente pois há 33% de pessoas com perturbações mentais graves que não são tratadas por ano. A que se deve acrescentar que existe uma demora média de quatro anos para o início do tratamento da depressão.

Tratamento integrado

"O paradigma da intervenção na saúde mental mudou muito nas últimas décadas em Portugal", explicou Teresa Reis, lembrando que até aos anos 80 do século passado as pessoas eram levadas para instituições, "afastadas da sociedade. Com o estigma que poderiam ser um perigo".

A partir dessa altura, já com Inglaterra, por exemplo, a trilhar este caminho desde os anos 60/70, começou-se a pensar em Portugal de outra forma. "O Plano Nacional de Saúde Mental de 2007/16 propõe o encerramento dos hospitais especializados e afastados da comunidade para os doentes passarem a ir para os hospitais gerais. Mas a psiquiatria comunitária vai um passo mais à frente. Não é só tirar as pessoas dos hospitais psiquiátricos para os gerais, mas é pôr as pessoas na comunidade", frisou em declarações ao DN.

Teresa Reis lembra que o trabalho que está a ser feito no âmbito da psiquiatria comunitária - sobre a qual fala este sábado no congresso, tal como da experiência inglesa - permite "um tratamento de forma integrada. Trabalhamos o doente na família, na comunidade, com os filhos. Permite a sua integração no emprego, ter uma atividade, uma ocupação".

O sucesso destas intervenções, que a equipa do hospital de Évora faz em algumas zonas do Alentejo mede-se pela redução de internamentos, de reinternamentos e, até, pela melhor aceitação dos doentes pela comunidade.

Um trabalho que permite "tirar pessoas dos hospitais" e que, objetivamente, pode ajudar a melhorar a vida dos doentes com doenças mentais. "Estas pessoas têm uma esperança média de vida de 15 anos a menos que a restante população. Por exemplo, sofrem de diabetes ou hipertensão e não são convenientemente tratadas. Tudo isto são situações que fazem com que morram mais cedo. Para o impedir só com intervenção junto da comunidade", sublinhou.

Este tipo de integração pode ter resultados felizes como o do sr. A. "Nunca mais voltou a estar descompensado. Está integrado, é feliz. Voltou a cozinhar. E agora é apenas mais uma pessoa que frequenta a associação recreativa".
Fonte: http://www.dn.pt/

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