Machado de Assis, um gênio autodidata da literatura
brasileira
Joaquim Maria Machado de Assis nasceu no Rio de Janeiro em
21 de junho de 1839, numa família humilde. Era filho de dois ex-escravos
mulatos alforriados: o pintor de paredes Francisco José de Assis e a lavadeira
Maria Leopoldina Machado de Assis. Essa situação marcou toda a sua vida, já que
a escravidão só seria abolida no Brasil 49 anos depois do seu nascimento. Ficou
órfão quando era muito pequeno e foi criado por sua madrasta, a também mulata
Maria Inês, que lhe apresentou e ensinou as primeiras letras.
Machado de Assis enfrentou muitos desafios por ser um
mestiço no século XIX, incluindo o acesso limitado à educação formal. Passou
pela escola pública, mas sua formação na verdade foi autodidata, já que nunca
foi à universidade. Por outro lado, uma grande ambição intelectual o acompanhou
por toda a vida. Em um de seus primeiros trabalhos, na padaria de Madame
Guillot, aprendeu a ler e a traduzir francês, e quando já estava perto de
completar 70 anos quis começar a estudar grego.
Machado de Assis
Doodle em homenagem ao escritor brasileiro Machado de Assis.
Com apenas 16 anos, Machado de Assis entra em contato com o
grupo de escritores que se reunia numa livraria central do Rio e publica seu
primeiro poema, Um Anjo. A partir desse momento, sua atividade intelectual será
contínua até sua morte, em 1908.
Também trabalha como aprendiz de tipógrafo na Imprensa
Nacional. Aos 19 anos, se torna revisor de provas na editora de Paula Brito, e
um ano depois no Correio Mercantil. Seu novo ofício o introduz plenamente no
ambiente jornalístico e literário.
Colabora nas publicações Marmota, Paraíba, Espelho – efêmera
revista que funda com Eleuterio de Sousa em 1858 – e no próprio Correio
Mercantil. Sua primeira colaboração em prosa é uma tradução de Lamartine, e seu
primeiro estudo crítico importante, O Passado, o Presente e o Futuro da
Literatura, reflete sobre a formação de uma literatura nacional.
Em 1860, aos 21 anos, Machado de Assis começa a colaborar
com o Jornal do Rio, onde será o encarregado de escrever sobre os debates no
Senado. Obrigado a refletir sobre a política e a vida social, a experiência
representará um grande aprendizado para ele, que a essa altura dá sinais de ser
um excelente jornalista que começa a forjar esse modo inconfundível de narrar,
ao mesmo tempo tão simples e profundo, marcado por uma inteligente ironia.
Sua extensa obra literária é composta por nove romances e
peças teatrais, 200 contos, cinco coleções de poemas e sonetos e mais de 600
crônicas. Embora não alcance grande reconhecimento como dramaturgo, o obtém
como poeta, com a coletânea Crisálidas (1864), seu primeiro livro, ainda
associado ao romantismo.
Dois acontecimentos cruciais na biografia de Machado de
Assis marcarão sua vida: seu ingresso na Administração do Estado – primeiro em
1867, como funcionário do Diário Oficial, e depois, em 1873, na Secretaria de
Agricultura – e seu casamento com Carolina Xavier de Novais, em 1869.
Ascendeu na carreira de funcionário público até se aposentar
como diretor do Departamento de Comércio, podendo a partir de então se dedicar
integralmente à literatura, para o que contribuiu também a sua esposa, ao lhe
proporcionar estabilidade emocional e estimulá-lo a conhecer os autores
ingleses que tanto o influenciaram em suas obras seguintes.
Em 1870, é lançado o segundo volume de poemas Machado,
Falenas, mas, embora tivesse então apenas 31 anos, essa década se destacará por
sua maturidade e desenvolvimento narrativo. Contos Fluminenses (1870) e
Histórias da Meia-Noite (1873), lançados por aquela que viria a ser a sua
principal editora, a Garnier, reúnem contos publicados anteriormente no Jornal
das Famílias. Ressurreição (1872), seu primeiro romance, é também uma obra
convencional, embora já se detecte nele uma das principais características de
Machado como romancista: a prospecção psicológica.
Após passar por uma grave crise de saúde entre outubro de
1878 e março de 1879, escreve Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881), que trata
das relações sociais no Brasil. Com esse romance, narrado pelo defunto Brás
Cubas, Machado abandona a fórmula do realismo europeu e, com isso, o predomínio
da racionalidade convencional. Nesse romance, ele inaugura a sua fase de
maturidade que o eleva à altura dos grandes mestres do realismo do século XIX.
É considerado o introdutor do estilo realista no Brasil.
Esses anos marcam também o início de sua inteligente
percepção da história brasileira, que revela uma sociedade oposta àquela de uma
pátria romântica, com referências à organização servil e familiar e aos
desafios da abolição da escravatura e da proclamação da República.
Tão brilhantes como seus romances foram seus contos desta
etapa, que fazem de Machado um mestre do gênero, talvez o primeiro grande
contista latino-americano. Papéis Avulsos (1882), que inclui O Alienista,
Histórias Sem Data (1884), Várias Histórias (1896) e Páginas Recolhidas (1899)
são testemunhos disso.
Quase todas essas obras-primas da narrativa brasileira e
universal foram escritas em meio à vida plácida e ordenada de funcionário
público, e algumas após a sua aposentadoria compulsória, em 1897. Àquela
altura, já era considerado havia algum tempo o melhor escritor brasileiro. Sua
aclamação como presidente da Academia Brasileira de Letras, da qual foi membro
fundador, constituiu um reconhecimento a mais, antes de sua morte, a 29 de
setembro de 1908.
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