Surgem evidências de que, perto do descanso, a quantidade e a qualidade dos alimentos ditam até a propensão a ganho de peso, diabete e pressão alta
(Tomás Arthuzzi/SAÚDE é Vital)
Depois de um dia exaustivo de trabalho, você finalmente
chega em casa e toma um banho relaxante, daqueles em que precisa reunir forças
para desligar o chuveiro. Mais tarde, na cama, o sono vem aos poucos, fazendo
os olhos pesarem cada vez mais.
Aí alguém de repente escancara a porta, acende
a luz, arremessa as cobertas e, com berros animados, pede para você trocar o
pijama por uma roupa de ginástica e calçar os tênis. É hora de correr alguns
quilômetros – e não há como escapar. Soa como enredo de ficção, mas é mais ou
menos o que acontece quando, pertinho de deitar, agente se empanturra de
comida. É como se chacoalhássemos estômago, intestino e outros órgãos
envolvidos na digestão, forçando-os a permanecer na ativa.
Só que não dá para esperar um serviço perfeito quando falta
tempo para uma folguinha. “Nossos órgãos têm relógios e funcionam melhor em
períodos específicos do dia”, afirma Marie-Pierre St-Onge, professora de
medicina nutricional da Universidade Colúmbia, nos Estados Unidos.
Recentemente, ela e outros pesquisadores chamaram a atenção para a importância
do planejamento das refeições em um estudo publicado na Circulation, revista
científica da Associação Americana do Coração. De acordo com o documento, não
levar em conta o horário das garfadas elevaria o risco de doenças do coração,
derrame se outros pesadelos para a saúde.
Entenda: Por que hipertensos correm risco de derrame?
No planejamento do organismo, o período noturno naturalmente
ganha destaque. “À medida que a luz solar vai diminuindo, o metabolismo também
se adapta para colocar o corpo em repouso”, ensina a nutricionista e doutora em
cronobiologia Ana Harb, professora da Universidade do Vale do Rio dos Sinos
(Unisinos), no Rio Grande do Sul. Acontece que, atualmente, a chegada da noite
nem sempre é um convite ao sossego.
Ao bater o cartão no escritório, muitas pessoas aproveitam
para se exercitar ou estudar. Com isso, não raro o jantar ocorre próximo à hora
de dormir. Já quem consegue ir direto para casa nem repara, mas o expediente
corrido e asensação de dever cumprido podem favorecer uma certa permissividade
alimentar, com beliscos sem fim em frente à televisão. São situações que
bagunçam o corpo.
“Daí, alguns mecanismos fisiológicos comuns nesse período
deixam de acontecer”, avisa Antonio Herbert Lancha Jr., professor de nutrição
da Universidade de São Paulo (USP) e autor do livro O Fim das Dietas (Editora
Abril).
Entre os processos que ficam atrapalhados está a queda
esperada da pressão arterial, como sinaliza um estudo apresentado no último Congresso
Europeu de Cardiologia, realizado na Itália. Para a investigação, cientistas da
Universidade Dokuz Eylül, na Turquia, avaliaram os hábitos de 721 voluntários
já diagnosticados com hipertensão. Desse total, 376 tinham aversão da doença
conhecida como não-dipper – o termo significa que apressão não cai como deveria
no decorrer da noite.
Ao compará-los com os outros 345 indivíduos, os
pesquisadores identificaram algumas explicações clássicas para os vasos não
relaxarem nem um pouquinho nessa etapa do dia, como maior índice de massa
corporal e idade mais avançada. Mas um dado novo se sobressaiu: jantar tarde,
especificamente duas horas antes de dormir, foi considerado fator de risco para
ter a tal hipertensão não-dipper. Sim, é como se o organismo ficasse em estado
de alerta.
Parece mero preciosismo a definição do quadro. Mas não é bem
por aí. De acordo com o médico Marcus Bolívar Malachias, presidente da
Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), a maioria da população – inclusive a
parcela hipertensa – deveria exibir uma queda de aproximadamente 10% na pressão
arterial à noite. É como uma preparação para o corpo descansar. “Hoje, as
evidências indicam que não passar por isso deixa o indivíduo mais propenso
aencarar futuramente um infarto ou derrame”, diz.
Eis o drama: como repousar direito quando a comida continua
descendo goela abaixo e sendo digerida? Pois é, uma coisa não combina com a
outra e o corpo permanece ligadão. Entre as consequências disso está a produção
contínua de substâncias como noradrenalina e cortisol – também chamadas de
hormônios do estresse -, que deveria despencar ao anoitecer. “São elas que
impedem aqueda da pressão”, esclarece o presidente da SBC. Para ele, embora
ainvestigação turca tenha focado apenas em hipertensos, todo mundo deveria
ficar esperto com os achados.
Até porque há motivos extras para evitar estripulias
alimentares quando o sol se põe. “O organismo lida pior com a glicose. Por
isso, o exagero alimentar nesse período não é bom em termos de controle do
açúcar no sangue”, exemplifica Marie-Pierre, da Universidade Colúmbia. Em um
pequeno experimento japonês, ao comparar os efeitos de jantar às 18 horas com
os de uma refeição às 23 horas, os estudiosos notaram que a última situação
chegava a desajustar os níveis de glicose após o café da manhã do dia seguinte.
A conclusão do grupo é que o hábito de comer muito tarde
favoreceria o surgimento do diabete. “Durante a noite, já contamos com um
mecanismo natural de produção de glicose. Se ainda ofertamos mais dessa
substância por meio da alimentação, ocorrerá uma sobrecarga capaz de predispor
a problemas”, concorda o endocrinologista Bruno Geloneze, da Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp), no interior paulista.
Fonte: de.abril.com.br
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