Aos 45 anos, ela cansou de esperar pelo príncipe encantado e optou pela fertilização in vitro para realizar o sonho da maternidade

Nem toda mulher nasceu para ser mãe. Não existe relógio biológico que traga o instinto materno, a vontade e a vocação para cuidar, nutrir, educar, criar e guiar um ser humano durante as muitas fases da vida. Mas algumas mulheres sempre sentiram no fundo do coração o desejo de ser responsável por uma criança. É o caso de Gabriela*.
Morando com a irmã e as sobrinhas, a servidora pública escutou de algumas pessoas que ela parecia mãe das pequenas. “Sempre foi meu sonho ser mãe, nunca tive dúvidas. Se me perguntavam a minha vocação, respondia: a maternidade. Mas a vida vai passando e já estava com mais de 40 anos e sem filhos”, lembra.
Aos 41, depois de três faculdades, desiludida com os homens e sem expectativas de formar uma família tradicional em um futuro próximo, Gabriela começou a pensar na gestação independente. Muito católica e praticante, a primeira reação foi procurar o padre. A resposta do representante da igreja era que a religião não apoiava a decisão. Segundo o religioso, ela deveria esperar mais um pouco, pois Deus enviaria um homem perfeito para ser o pai das crianças tão desejadas pela funcionária pública.
Gabriela ficou um ano ponderando o pedido do padre, discutindo dentro da própria cabeça as opções, pesando a vontade de ser mãe e os impedimentos da fé. Depois de muito refletir, tomou a decisão de não mais esperar. Pegou o contato com um amiga e agendou a primeira visita a uma clínica de reprodução assistida.
No Centro-Oeste, o Distrito Federal é a unidade da Federação com o maior número de procedimentos de fertilização in vitro. No ano passado, 1.048 ciclos foram realizados na capital. Não é um tratamento barato e muito menos fácil, principalmente para quem já passou dos 35 anos. A idade limite estipulada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) é 50 anos. Gabriela, então, recebeu a notícia de que precisaria desembolsar R$ 25 mil entre remédios para aumentar a quantidade de óvulos e a fertilização do embrião. Não parou por aí.
“Ela tentou com os próprios óvulos, a princípio. Pela faixa de idade, as taxas de alteração cromossômica são muito altas e não obtivemos sucesso. A opção seguinte foi receber óvulos de uma paciente com menos de 35 anos, que também estava em tratamento e produziu o suficiente para atender a duas pessoas”, explica José Rubens Iglésias, médico ginecologista membro da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida (SBRA) e responsável pelo caso de Gabriela.
Foram três tentativas e a conta bateu nos R$ 150 mil, muito mais do que o previsto. Já chateada e desanimada com a falha dos procedimentos, a funcionária pública resolveu entrar na fila da adoção para encontrar um filho. Sem restrição de sexo, ela só pedia um bebê – mesmo sabendo sobre o alto número de crianças mais velhas à espera de uma família.
Depois do último ciclo da fertilização in vitro, Gabriela fez dois testes de farmácia. Ambos negativos. Desiludida, realizou o exame de sangue, por desencargo de consciência, que detecta a presença de HCG, o hormônio produzido pela placenta durante o desenvolvimento de um embrião no útero. Pegou o resultado sozinha, no trabalho, sem muitas esperanças. Impresso no papel, as palavras mais desejadas: aos 45 anos, estava finalmente grávida – e de gêmeos.
Mas nem por isso acabaram as preocupações. Aos três meses, o menino do casal que crescia na barriga da funcionária pública parou de se desenvolver. Porém, a irmã era forte e tinha pressa. Aos sete meses de gestação, deitada em casa, a bolsa de Gabriela estourou.
Morando a mais de uma hora de distância do Plano Piloto, fez questão de viajar até a Asa Norte com um primo e a irmã para garantir as melhores chances à menina prematura. Queria parto normal de todo jeito, mas quando a médica falou que o bebê nasceria em aproximadamente seis horas, o desejo foi por água abaixo. “Doutora, mudei de ideia, pode cortar”, disse com convicção.
Pequenininha, cheia de cabelo e dona de um par de pulmões que funcionam muito bem, obrigada, veio Vitória. No dia seguinte, o pai de Gabriela morreu. “Foi um baque, entretanto, por conta das mudanças na minha vida, não tive tempo para ficar pensando muito”, conta.
Todavia, o preconceito da sociedade ainda é forte quando se fala de mulheres que decidem ter filhos sozinhas. Preocupada com as críticas julgadoras, Gabriela optou por inventar uma história – até por isso, prefere não se identificar. Aos curiosos, relata um causo improvável: ciente de seu período fértil, procurou um homem. O resultado do sexo casual foi o amor de sua vida.
À filha, a funcionária pública ainda não decidiu se contará a verdade. Aguarda o momento certo, quando as perguntas começarem a chegar.
Segundo José Rubens, a quantidade de mães independentes vem aumentando bastante. “A realidade da sociedade está mudando, muitas mulheres nos procuram por não ter boa expectativa de formar uma família ou ter desfeito o matrimônio. Já chegam aqui resolvidas e equilibradas, perfeitamente cientes do desejo de ser mãe”, explica.
Feliz da vida, realizada e com um sorrisão estampado no rosto, Gabriela espera agora o irmãozinho de Vitória por meio da adoção. Há um ano e meio na fila, sabe que deve aguardar ainda a mesma quantidade de tempo para completar sua família.
“Não adianta falar que maternidade é só maravilhas. Minha filha tem cólica, chora a noite toda. Tive todos os incômodos da gestação, mas não sou de desistir fácil. Demorou e deu certo. Sempre quis ser mãe, e agora sou.”
*Nome fictício
www.metropoles.com/vida-e-estilo