G1 visitou o Centro de Ressocialização Feminino (CR) e conversou com reeducandas presas por tráfico de drogas.

Jovem mostra carta escrita pela filha no ano passado (Foto: Fabio Rodrigues/G1)


onge dos filhos e dos momentos importantes que marcam o crescimento de uma criança. Tristeza, saudade e arrependimento são os sentimentos que traduzem o Dia das Mães de detentas que cumprem pena por tráfico de drogas no Centro de Ressocialização Feminino de Araraquara (SP).
G1 esteve na unidade para conversar com três delas. Os nomes das reeducandas foram modificados para preservar a identidade das entrevistadas.

Distância

Jaqueline, de 27 anos, tem três filhos e está presa há quase dois anos. As crianças a visitam uma vez por mês no CR. Para ela, é difícil ser mãe e estar longe dos filhos.
“Estou perdendo várias fases que eu sei que depois não vou poder recuperar. Minha filha mais velha vem aqui e agora no domingo, Dia das Mães, ela vai cantar a musiquinha que ensaiou na escola”, contou.
Patrícia, de 28 anos, está no centro há um ano e cinco meses. Foi presa grávida do terceiro filho e o conheceu dentro do CR.
“É triste ficar longe, mas aqui eu tenho como ver [os filhos]. A primeira vez que eu vi minha bebê foi aqui. Se estivesse na cadeia pública, poderia ver”, relatou.
A outra filha de Patrícia tinha 8 meses quando ela foi detida. “Eu não vi ela engatinhar, andar. Quando ela veio aqui, já estava andando, falando. É uma coisa que aqui eu aprendi a dar mais valor”, relatou.
Camile, de 28 anos, foi presa há um ano e meio, no nono mês de gestação do segundo filho. “No começo foi muito difícil, mas no CR eu vi uma oportunidade para mim. Minha mãe me fala o que eles estão aprendendo. Meu filho vem, eu pego livros na biblioteca para ler com ele”, afirmou.

Saudade

Conviver com a saudade dos filhos é o maior desafio a ser enfrentado, disseram as reeducandas. “Quando a gente deita na cama, bate aquele aperto, é triste”, relatou Patrícia.
Jaqueline contou que prefere não ver fotografias dos filhos, mas troca cartas com a filha mais velha. “Tento não ficar pensando ou tentando adivinhar o que eles estão fazendo nesse momento, se não eu fico triste e eu não consigo. Tenho que viver a vida daqui, para esquecer a vida lá de fora”, declarou.
Camile acredita que a rotina de trabalho e estudo dentro do centro ajuda a lidar com as emoções. “Não que isso amenize a saudade, mas como a gente errou, a gente tem que pagar e, infelizmente, a nossa família acaba pagando junto”, disse.

Relacionamento com os filhos

Para uma das jovens, a relação dela com os filhos melhorou depois que ela foi detida. Ela justifica que quando estava em liberdade não dava a atenção que as crianças mereciam.
“Eu queria sair com amigos, curtir drogas, baladas, então acabava deixando ele [filho mais velho] com a minha mãe. Não tinha responsabilidade. Eu fazia faculdade e queria sair para barzinhos. Só agora que eu vejo a falta que eu fazia para ele. Para a mais nova não, ela não me tem como mãe, é uma coisa que eu vou ter que resgatar a hora que eu sair daqui”, contou Camile.
Patricia e Jaqueline afirmaram que, enquanto estavam em liberdade, viviam quase que exclusivamente para os filhos.
“Quando eu falo que estou presa por tráfico você deve pensar que minha casa entrava qualquer pessoa, mas não era assim. Meu ex-marido era traficante. Eu era mãe e esposa, tinha uma casa e uma vida normal. Levava na escola, fazia comida, contava história para dormir” afirmou Jaqueline.
Patrícia disse que orienta os filhos para que eles não cometam erros (Foto: Fabio Rodrigues/G1)

Prisão

Segundo as detentas, apesar de ainda serem crianças, os filhos mais velhos entendem que elas estão presas por terem cometido algo errado.
“Ela não fala ‘mamãe, você tá presa’, mas ela sabe que eu estou presa, que tem uma época para eu voltar e um tempo para ficar aqui. Então eu falo: ‘a mãe está aqui porque fez algo errado e você tem que se espelhar nisso, para não ter isso na sua vida’. É bem sincero. É melhor isso do que esconder”, relatou Jaqueline.
Camile se envolveu no tráfico por conta de algumas amizades e também faz questão de deixar claro para o filho. “É mais fácil para ele entender a situação do porquê estou aqui. Ele até fala ‘mamãe, você está aqui por causa de amigos’, então ele sabe que eu errei e estou pagando pelo meu erro”, disse.
Patricia ressaltou que orienta os filhos porque não quer o mesmo futuro para eles. “Nunca mais. Tanto que eu falo para o meu filho ‘hoje a mamãe está aqui porque fez coisa errada lá fora, por isso você não pode fazer nada disso’. Ele entende e fala para mim que vai estudar para ser advogado”, afirmou.
Detentas relataram como é viver longe dos filhos (Foto: Fabio Rodrigues/G1)

Ferida que não cicatriza

Para Jaqueline, estar longe dos filhos é uma ferida que não cicatriza e passar o Dia das Mães sem a presença de sua mãe e de seus filhos é danificar ainda mais esse machucado.
“Ficar pensando neles é ficar colocando o dedo na ferida. O Dia das Mães é como se tivessem chutado a minha ferida”, contou.
A jovem detenta disse ainda que falhou, e muito, como filha. “Como mãe estou perdendo momentos que eu não posso recuperar. É claro que terei outros, mas esses eu não posso ter de volta. Agora, como filha, eu falhei mais porque quando você tem um filho, você sonha muitas coisas para ele. Nunca na vida que o sonho dos meus pais era me ver nessa situação”, declarou.

Saída temporária

Pouco antes de terminar o prazo, Patricia conseguiu o benefício da saída temporária e irá passar o Dia das Mães com os filhos na cidade onde morava antes de ser presa. Ansiosa, ela contou que está sem dormir há quase uma semana e já planejou o que quer fazer durante o tempo livre.
“Meu coração está muito acelerado, é muito tempo aqui dentro. Quero ir na escola ver a apresentação de Dia das Mães. Ano passado, ele [filho mais velho] não quis ir para a escola porque eu não iria estar lá. Eles me perguntam quando vou poder tomar sorvete junto com eles, esse dia chegou”, relatou a detenta.
Jucélia Gonçalves da Silva, diretora do Centro de Ressocialização (Foto: Fabio Rodrigues/G1)

Centro de Ressocialização

O CR de Araraquara tem capacidade para abrigar 96 detentas, mas atualmente conta com 92. Segundo a diretora técnica, Jucélia Gonçalves da Silva, 90% das reeducandas estão no CR por causa do tráfico de drogas.
“Muitas vezes, elas estão aqui por causa dos companheiros, sejam maridos ou namorados. E eles as abandonam, não vêm visitá-las. Elas erraram, mas precisam voltar com dignidade para a sociedade”, afirmou.
Durante o tempo de detenção, as mulheres se dividem para realizar os trabalhos diários na limpeza, cozinha e manutenção. Elas também atuam em um pavilhão de trabalho onde são feitos lacres para barris de chope, prendedores de roupas e sacolas de papelão.
De acordo com a diretora técnica, o índice de internas do CR que voltam a cometer crimes depois que deixam a unidade é de 4%.
*Sob supervisão de Fabio Rodrigues, do G1 São Carlos e Araraquara.
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Fonte: g1.globo.com/sp/sao-carlos-regiao