Duvido que exista flor mais linda (e frágil e delicada). Cinco pétalas amarelas se abrem para que mais de 500 estames procurem o Sol. Os filamentos pontiagudos têm a finura de uma linha de costura e terminam com um relevo redondo cor de amarelo-pequi. São eles, os estames, o órgão sexual masculino da flor, característica rara entre as espécies que habitam o planeta, segundo me contou a botânica Sueli Maria Gomes. Quem poliniza o pequi não são os passarinhos nem as abelhinhas. É o morcego que à noite se lambuza do néctar da flor e sai espalhando pequizeiros pelo Cerrado.
Quem vê o tronco crispado do pé de pequi não imagina que dele brote flor tão airosa. De uma sutileza viril. Quem vê a flor não imagina que o fruto tenha cor, cheiro e sabor tão intensos. Quem vê o fruto verde não acredita que dentro dele há um caroço cor de amarelo-fogo.
Pequi se come com a mão e com os dentes e com muito cuidado pra não ser atacado pelos espinhos traiçoeiros. Pequi não é de comer, é de roer. É carnuda e sedosa a polpa do pequi. Parece que ele brinca de ser ao mesmo tempo difícil, delicado, tenso, intenso, árido, macio. Pequi deixa a mão oleosa, os dentes amarelos e o gosto fica dentro da boca, demora para ir embora.
Foi Saint-Hilaire quem apresentou o pequi ao Brasil e ao mundo. O desbravador francês passou por Goiás na primeira metade do século 19 e descreveu o Caryocar brasiliense.
O pequi não é pra qualquer um, é viril mas nem de longe é sutil. É pra goiano, pra mineiro e para quem se dispõe a aventuras gastronômicas excêntricas.
Vem de Montes Claros, nordeste de Minas, o mais saboroso e carnudo pequi de que se tem notícia, afirmação que por certo será revidada pelos moradores de Pequizeiro, no Tocantins. Ou de municípios goianos, mineiros, mato-grossenses – onde tem Cerrado, tem pequi, até no Ceará tem pequi.
Toda Brasília está povoada de pequizeiros – no Parque da Cidade, no Eixo Monumental, na Avenida das Nações, no Setor Policial Sul, no Parque das Sucupiras, no caminho do aeroporto. Onde ainda houver mata nativa, tem pé de pequi. E nas feiras e ruas das cidades-satélites. Pequi é das quebradas. Raramente se vê um carrinho de pequi no Plano Piloto – de vez em quando, no democrático Conic.
A busca por novas experiências degustativas, espécie de sexo tântrico do paladar, trouxe o pequi para as panelas de bronze. Tem sido visto nos mercadinhos “gurmês” para servir a chefs de cozinha e a seus experimentos do tipo espuma de pequi rodeando lascas de trutas defumadas por monges franceses cegos.
Estamos quase no fim da temporada do pequi e já estou com saudade. Depois de fevereiro/março, ele só é visto em conserva, em pasta, óleo ou congelado. Não é a mesma coisa. Pequi de verdade é o que se compra a litro, medido nas velhas latas de óleo. Ou que se pega no pé e corta com faca afiada, com força e destreza, até libertar o caroço de fogo.
*Mesmo que o leitor ou a leitora não consiga nem sentir o cheiro do pequi, o que é bastante provável, a cronista sugere então um passeio pelo Parque Ecológico dos Pequizeiros, um dos maiores do quadradinho, com vasta diversidade de espécies nativas do Cerrado. Fica em Planaltina e tem uma cachoeira exuberante que desce de uma muralha de pedra como um véu de noiva.
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