Número de matriculados em instituições públicas e privadas cresceu 52,5%
Awámirm fala a crianças de escolas públicas sobre suas tradições. Foto: Arquivo Pessoal
Brasília, 21/3/18 – Em menos de sete anos, a quantidade de indígenas matriculados nas universidades cresceu mais de cinco vezes. O aumento na procura por formação acadêmica entre os povos indígenas deve-se a necessidade de formar profissionais qualificados e inseridos em contextos políticos e socioculturais e que ainda colaborem com a luta pela conquista da autonomia e da sustentabilidade de seu povo.
Em 1997, quando entrou para o curso de Filosofia, na Universidade de Brasília (UnB), Awámirm Tupinambá, 42, era um dos poucos estudantes indígenas que frequentava a instituição. Ele lembra como era raro encontrar um “parente” circulando pelos corredores. Hoje, mais de 20 anos depois, essa realidade mudou. Aluno de pós-graduação em Antropologia Social, na mesma universidade em que se graduou como filósofo, ele constata que a presença de indígenas passou a ser frequente. “Aumentou, sim. É visível. Abrimos espaço e conquistamos as universidades. As ações afirmativas realmente surtiram efeito”, avalia.
A mudança no tecido social das universidades brasileiras está nos relatórios do último Censo da Educação Superior, divulgado pelo Ministério da Educação em 2017. A pesquisa mostra que o número de indígenas matriculados em instituições públicas e privadas cresceu 52,5% de 2015 para 2016, passando de 32.147 para 49.026.
O dado é mais representativo se levado em conta o histórico do Censo, que passou a contabilizar a presença de estudantes por raça/cor a partir de 2009. Em menos de 7 anos, a quantidade de indígenas matriculados anualmente nas universidades cresceu mais de cinco vezes. No início da contagem eram apenas 7.960. Importante ressaltar que somente a partir de 2015 passou a ser obrigatório declarar a raça, o que possibilitou um retrato mais fiel da presença dos indígenas nas universidades.
A Fundação Nacional do Índio (Funai), órgão vinculado ao Ministério da Justiça, informou que até o final dos anos 1980, a instituição era a única responsável pela oferta da educação escolar indígena. Na época, a demanda era de apenas 200 estudantes em todo Brasil. Mensalidade, material didático, hospedagem e alimentação eram por conta da própria Funai.
Caminho difícil
A partir de 1990 o quadro mudou. Hoje, várias universidades públicas e privadas possuem convênios com a Funai para garantir o acesso desses estudantes ao Ensino Superior. A UnB foi uma das primeiras a firmar convênio com a Fundação e o Ministério da Educação (MEC).
A prática teve início em 2004, e funciona da seguinte forma: um teste seleciona aqueles que demonstrem vínculo com suas comunidades indígenas para vagas adicionais em diversos cursos. As provas são aplicadas em diferentes lugares do Brasil, para facilitar o acesso da comunidade indígena. Só no ano de 2017 foram ofertadas 72 vagas, em 17 cursos.
Atualmente, existem na UnB 51 estudantes indígenas nos cursos de graduação e 21 na pós-graduação (Mestrado e Doutorado). Em 2017 entraram 16 novos alunos na UnB por meio do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e no vestibular de 2017, os cursos com maior procura foram Medicina, Psicologia, Direito e Enfermagem.
Luta por direitos
Um desses alunos de graduação é Poran Potiguara, que veio da Paraíba estudar Engenharia Florestal. Aos 28 anos e no último semestre do curso, ele conta que o caminho que um indígena tem que percorrer para se formar costuma ser bem mais difícil. “Quando chegamos à universidade, precisamos nos adaptar. É um choque cultural”, explica Poran. Ele também reclama do método de ensino, que é muito teórico. “Nossa vida e os ensinamentos que recebemos ao longo dela não são assim. Na aldeia a vivência é prática. Então acabamos tendo que estudar muito mais para poder dar conta do conteúdo”, acrescenta.
Poran estuda Engenharia Florestal e pretende levar o conhecimento adquirido para a comunidade. Foto: Isaac Amorim
Para ele, o que traz enorme responsabilidade é a necessidade de “fazer política” dentro da universidade. “Não estamos aqui apenas para estudar. É necessário valorizar e mostrar a nossa luta, pois se não tivéssemos pedido respeito e exigido nossos direitos, não estaríamos aqui. As vagas que temos hoje foram conquistadas com muita luta. Apenas entrar e não levantar bandeira, não debater, não se mostrar, seria injusto. Nós temos um compromisso com a comunidade que deixamos e para onde regressaremos”, destaca.
O Centro de Convivência Multicultural dos Povos Indígenas, conhecido como Maloca, é uma das conquistas dos estudantes da UnB e aproxima as comunidades indígena e acadêmica. O local se tornou uma espécie de “segunda casa” onde eles se encontram, conversam e estudam. É um espaço aberto a toda a comunidade.
A Maloca, espaço de convivência na Universidade de Brasília, é fruto da luta dos estudantes indígenas. Foto: Isaac Amorim
Cotas e Enem
De acordo com MEC, os processos de seleção para ingresso de indígenas nas universidades são muito variados. A maioria das instituições criou metodologias específicas, tendo como exemplos mais usuais a indicação dos candidatos feita pelas comunidades e suas organizações indígenas, seguida de provas específicas e entrevistas ou apresentação de memoriais.
No âmbito do governo federal, o principal acesso se dá com a nota do Enem e por meio de processos como Sisu, para instituições públicas, e Prouni, com bolsas para instituições privadas.
Segundo o MEC, por meio do Sisu, sistema pelo qual instituições públicas de educação superior oferecem vagas a candidatos participantes do Enem, a Lei de Cotas reserva um percentual de vagas para indígenas. O número varia de acordo com o índice populacional dos indígenas apresentado no último Censo do IBGE para aqueles candidatos que estudaram em escolas públicas e que se autodeclararam indígenas.
Já o Programa Universidade para Todos (Prouni) foi criado com a finalidade de conceder bolsas de estudo, integrais e parciais, em cursos de graduação e sequenciais de formação específica, em instituições de ensino superior privadas, a estudantes oriundos de escolas públicas ou privadas com bolsa integral e cuja renda familiar per capita seja de até 3 (três) salários-mínimos, nos termos do § 1º e 2º da Lei nº 11.096, de 2005.
Além disso, a maioria das universidades criou reservas de vagas ou cotas especificamente para indígenas.
O MEC explica ainda que outra ação importante para garantir o espaço dos indígenas nas universidades foi o investimento em melhorias na Educação Básica das escolas indígenas. Nos últimos anos, o governo federal investiu na Licenciatura Intercultural, voltada para a formação de professores indígenas que atuam nos anos finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio das escolas indígenas. Só em 2017, foram mais de 2,7 mil educadores atendidos pelo programa em 16 instituições de 14 estados brasileiros.
Permanência
Os estudantes indígenas comemoram o aumento no número de matrículas mas dizem que o ingresso nas universidades não é hoje a parte mais difícil. Além de Awámirim, a aluna de mestrado da Faculdade de Saúde da UnB, Rayanne Cristine Máxima França, diz que a permanência é o grande desafio para eles. Muitos precisam se mudar de onde moram e encontram dificuldades em garantir o sustento nos centros urbanos.
O MEC afirma que muitas universidades promovem ações de permanência para estes estudantes. No âmbito das políticas de assistência estudantil, a pasta oferece o Programa Bolsa Permanência, que atende de modo diferenciado indígenas e quilombolas. O recurso é pago diretamente ao graduando por meio de um cartão de benefício. O valor da bolsa é de R$ 400.
Na UnB, o Projeto Raízes seleciona estudantes veteranos como tutores de novos universitários. A iniciativa favorece o desenvolvimento acadêmico e a integração social e cultural. Além de estudantes indígenas, o programa atende refugiados.
justica.gov.br/news
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